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Rita Lee - mãe e roqueira

Rita Lee é mãe de Beto, João e Antonio, filhos de sua união com o músico Roberto de Carvalho. Nesta entrevista exclusiva, Rita Lee fala sem censura de sua vida com os filhos, da educação deles, de sua carreira, das drogas, de sua luta em favor dos animais. Como uma verdadeira guerrilheira, Rita Lee solta o verbo e não poupa nada e ninguém.

Alô Bebê - Que lembranças você tem das suas gestações - estranhas manias, desejos, casos curiosos.

Rita Lee - Meus 3 pimpolhos foram cavalheiros desde que nasceram, partos tranquilos e dores agradáveis. Não me lembro de acordar no meio da noite com desejos de feijão com abacate, mas fui grande devoradora de melancias e alfaces nas horas mais inesperadas.

Alô Bebê - Dos três filhos, qual lhe deu mais trabalho? 

Rita Lee - Trabalho nenhum. Quando bebês, por terem nascido de 8 meses, Beto e João tiveram que encarar uma "fototerapia" na incubadora. O baby fica peladinho, de olhos vendados debaixo de uma luz forte, para que o fígado mature; fora isso, só alegrias! O caçula chama-se Antonio.

Alô Bebê - Sendo você quem é, só posso imaginá-los (você e o Roberto, claro!) educando os filhos de uma maneira liberal. Até que ponto isso é verdade?

Rita Lee - Muita gente me dizia na época: garanto que ao invés de dar de mamar você prefere pegar numa guitarra, não é? Absurdo! Dei de mamar para os três e garanto que era muito mais prazeroso do que fazer roquenrou! Fui uma mãe leiteira, até tirei umas polaroides para a posteridade, com meus peitos de Fafá de Belém (risos).

Quanto a educação deles, nem tão liberal assim... Roberto e eu evitamos ser "moderninhos" demais porque os filhos acabam sem saber as fronteiras da boa educação, tornam-se pentelhos; querer nem sempre é poder. Os pais aconselham e orientam: "se você botar seu dedinho na tomada pode levar um choque!" Se o moleque quiser botar o dedinho que bote, leva um choque e aprende sozinho.

Com o tempo, ele começa a levar em conta as advertências dos pais. Isso vale para quando são pequenos, depois de grandes os pais só devem orientar quando são solicitados; quanto mais os filhos exercerem seu livre arbítrio e se responsabilizarem pelas consequências boas ou más de suas decisões, melhor!

Alô Bebê - Por ser mãe e roqueira, que tipo de preconceitos você teve que enfrentar das mães "normais"? 

Rita Lee - Algumas vezes, nas reuniões de Pais e Mestres, enfrentei apenas olhares maternos desaprovadores, tipo: "mãe roqueira não deve ser lá muito responsável!" No fim das contas, acredito que todas gostariam de estar mais no meu lugar do que eu no delas!


Alô Bebê -
Como você e o Roberto lidaram e lidam com as questões delicadas (como drogas e AIDS) na educação dos meninos?

Rita Lee - Em matéria de drogas sou uma enciclopédia ambulante! Entrei em todas e tive a sorte de conseguir sair ilesa. Como não carrego comigo nenhum discursinho moralista do tipo "Madalena arrependida", sou muito procurada pelos amigos de meus filhos e centenas de garotadas desse Brasil em busca de informações honestas. Geralmente essa meninada não tem a menor abertura com os pais para abordar tal assunto com a devida calma.

Jovens são curiosos pra caramba e isso não é defeito, pelo contrário, é uma grande oportunidade para diálogos. Meus 3 filhos são caretas por opção, testemunharam minhas experiências pessoais com distanciamento e nunca tiveram necessidade nem vontade de "viverem" minha geração. No meu tempo fumar um baseado ou tomar uma pedra de LSD durante a ditadura era sinônimo de liberdade. Hoje é prisão. 

São bonecos de ventríloquos nas mãos da máfia dos traficantes da turma de Darth Vader! E qual a moral do pai ou da mãe, segurando seus copinhos de uísque, para dar esporro no filho quando encontram um cigarro de cannabis no quarto dele? A meninada de hoje está cercada de propagandas glamourosas da caninha 89, da vodka Karloff, da cerveja # 7, do conhaque yz5.

Até meu cachorrinho sabe que álcool é muuuuito mais barra pesada do que cannabis e, no entanto, não há sequer uma advertência do Ministério da Saúde quanto aos perigos de consumir essa droga permitida e milionária... Ora, ora, dona Aurora, como é que a garotadinha vai poder discernir no meio de tanta hipocrisia? Eles não engolem essas propagandas anti drogas que estão por aí, que são verdadeiros "convites ao crime", tamanha é a falta de coerência. "Drogas, nem morto!" Tá bom, e o que fazemos com os biriteiros campeões de mortes no trânsito? 

Aconselho aos pais que enfrentem a curiosidade dos filhos com a maior boa vontade e, se for o caso, até experimentar com eles um baseado, quebrando o tabu do "você está proibido e ponto final", que aliás é a mais ineficaz das atitudes. Aproveite para se informar melhor sobre quais as drogas a que seu filho tem acesso, não seja pai/mãe inimigo, senão o moleque vai fazer tudo fora de casa. Vai à luta meu, pensa que é fácil a parada para um jovem de hoje que não tem nenhuma perspectiva de melhores futuros nesse beco sem saída em que está nosso país? Os bichinhos querem experimentar de tudo no salão em matéria de opção de vida. 

E o que você está disposto a fazer para que seu filho se conscientize de que ele corre perigo usando drogas? Eu tive a "sorte" de bancar a cobaia de laboratório (coisas da minha geração), mas com isso meus filhos tiveram a oportunidade de naturalmente rejeitar a coisa, eles acham que droga hoje trocou de papel com o que eu costumava chamar de caretice!

Bom, parece que minha experiência pessoal de uma certa maneira serviu para isso, então volta e meia recebo e-mails e mais e-mails da garotada buscando minhas informações, "Puxa tia, seu filho não bebe nem uma cervejinha, não dá um peguinha, e a senhora já foi doidona, como é esse lance?" Pai e mãe que nunca experimentaram drogas na vida, de duas uma: ou tem que ter abertura para dialogar sem pânico ou vai dar um "peguinha" para ver o que acontece e ganhar a moral para poder discutir o assunto e ser levado em consideração.


Alô Bebê -
Por combater a hipocrisia e o preconceito em suas canções, que tipo de discriminações você teve que enfrentar por parte de rádios e gravadoras?

Rita Lee - São tantas emoções! (risos); me lembro que o bacana mesmo era driblar a censura, e isso não era lá tão difícil assim, dada a falta de QI de certos censores. Às vezes faltava saco para ir até dona Solange pessoalmente e explicar que "arco-íris" não era "metralhadora". A gente acabava até deixando barato para evitar maiores aborrecimentos futuros. Tem gente que acredita que "nada como uma repressãozinha para incitar a criatividade"... Eu prefiro rimar ditadura com censura mesmo!

Alô Bebê - Como você conciliava sua vida profissional agitada com a criação dos meninos?

Rita Lee - Quando os meninos eram bem pequenos, quem cuidava deles enquanto Roberto e eu estávamos em turnês pelo planeta era a Balu, minha querida madrinha (que também ajudou mamãe a criar as 3 filhas dela). Na idade escolar eles frequentaram uma escola semi-interna que nos deixava totalmente despreocupados quanto a educação acadêmica e emocional deles; os professores eram carinhosos porém exigentes. Beto, João e Antonio ficaram mais independentes, aprenderam a se virar sozinhos, bagunçou-arrumou, sujou - lavou. Sempre souberam que a profissão dos pais era diferente da dos pais dos seus colegas e respeitavam isso, acredito eu que até com um certo orgulho.

Alô Bebê - Você se recorda de algum caso engraçado envolvendo vocês?

Rita Lee - Certa vez, eles eram bem pequenos, fomos dar um rolê pela Disney. Uma turma grande de turistas brasileiros me reconheceu e nos cercou. Sempre tive a maior paciência com fãs, não me custa dar autógrafos e tirar fotos, afinal também gosto de receber carinho e coisa e tal... Num dado momento, meus 3 meninos romperam a "fronteira dos turistas patrícios" trazendo Mickey pela mão...: "Olha aqui, fiquem com o Mickey que nós queremos nossa mãe só para nós, porque ela não faz parte da Disney, viu?" (risos). Bonitinhos né?

Alô Bebê - Ser mãe hoje é mais fácil?

Rita Lee - Diz o ditado que "ser mãe é padecer no paraíso"; também é "se deliciar no inferno! (risos).

Alô Bebê - Os meninos têm algum envolvimento com a carreira musical? Caso positivo, como vocês lidam com isso?

Rita Lee - Os 3 são musicais pra caramba, como não poderia deixar de ser, afinal cresceram ouvindo música. Beto (22 anos) toca guitarra desde pequeno, tenho uma foto dele com 3 anos fantasiado de Kiss segurando uma guitarrinha de plástico! Não é por ser meu filho, nem eu tão mãe coruja assim, mas Beto é um profissional impecável, nas duas últimas turnês nossas ele pilota as guitarras junto com o pai; além disso, tem seu próprio trabalho solo, onde toca e canta suas composições. No momento está gravando com Apolo, um produtor antenado pra caramba; depois vai correr atrás de uma gravadora, diz ele que não quer nenhum "paitrocínio nem mãetrocínio", o que muito nos orgulha. 

João (20 anos) estuda Administração na IBEMEC e é DJ nas horas vagas, ferinha em música eletrônica de pista. Num disco de remixes do meu repertório que deve sair ainda neste primeiro semestre, João e Buga remixaram Atlântida e Brazix Muamba, ficou ducacete; deixa enxugar a baba! (risos). Antonio (18 anos) termina este ano o high school e dá indícios de também querer seguir no campo musical, toca muito bem baixo e guitarra, montou com amigos uma banda de garagem para se divertirem em festinhas e bares off-broadway, nas férias dá plantão na MTV onde é pau pra toda obra; deixa enxugar a baba! (risos).

Alô Bebê - O que a maternidade lhe trouxe? Como você era antes e como ficou?

Rita Lee - Querido, todas as mulheres têm seus "antes e depois" da maternidade. Algumas até jogam no lixo depois que nascem! Nunca me imaginei com filhos, confesso que até era impaciente com crianças, minha paixão maior sempre foi pelos bichos. Quando Beto aterrissou na minha barriga fiquei no céu, e assim foi com os outros dois também, sempre bem-vindos. Ficar grávida me deixava inspiradíssima, minhas composições mais famosas aconteceram nesse estado: Mania de Você, Doce Vampiro, Baila Comigo, Lança Perfume, Saúde e outras. Hoje não consigo me imaginar na vida sem meus 3 filhotinhos. Cruzes! Fico falando como se ainda fossem potrinhos, quando já são cavalões!

Alô Bebê - Lembro-me de você ter falado que a Elis Regina a ajudou durante os anos de chumbo. Ela também a ajudou com as crianças? 

Rita Lee - Elis Forever! Saudade da pimenta (Pimentinha era o apelido de Elis). A filha mais nova dela se chama Maria Rita, que é como Elis me chamava... "E aí, dona Maria Rita, tem uma musiquinha nova pra mim?" Puta falta! Mãezona da MPB, briguenta e amorosa. A única artista que teve coragem de me visitar quando fui presa em 76. Nunca vi Elis cheirando pó, achei a morte dela muito suspeita. Até hoje não engulo o laudo médico daquele japa comprometido com a ditadura. Elis era muito carinhosa com meus meninos e eu com os dela. Éramos vizinhas na Cantareira, tipo "me empresta uma xícara de farinha". Eu estava justamente esperando uma visita dela para a gente fazer nossa primeira parceria musical quando liguei a TV e soube de sua passagem; pirei!

Alô Bebê - Quais são os seus ídolos e por quê?

Rita Lee - Ídolos? Não os tenho. Por quê? Porque todos são de areia...

Alô Bebê - O que a inspira na hora de escrever canções? 

Rita Lee - A "santa" baixa e eu apenas sirvo de instrumento . Inspiração vem do alto, da alma. Somos graciosamente manipulados por ela. Às vezes ela baixa no chuveiro, no ônibus, comendo salada, sonhando... É preciso estar atenta, porque a santa não avisa a hora; me precavenho, ando sempre com um bloquinho e um mini gravador. Se bobear, quando a inspiração acontece e não anotar no ato a gente dança... Bom mesmo seria morar dentro de um estúdio (risos).

Alô Bebê - Afinal, o que restou da década de 60? O que ficou de bom?

Rita Lee - Bicho, pra falar disso preciso de mais uns meses... Haja revisão de texto...

Alô Bebê - Na era da informação, o ser humano vai melhorar ou vai ser tudo igual?

Rita Lee - Eu sou Polyana, meu bem... Tudo vai melhorar!

Alô Bebê - Rita Lee por Rita Lee: 

Rita Lee - Alguém dentro de mim é mais eu do que eu mesma!